Artigo de 2011 - USINA DE BELO MONTE - Uma obsessão faraônica

A geração de energia é vital para a humanidade. Para sobreviver, o homem teve de domar o fogo. Esse domínio, como revela o mito grego de Prometeu, representa o batismo da cultura, a capacidade de construir civilizações. Por isso, não podemos deixar que essa chama vital da humanidade – a razão que transforma a natureza – seja usada como instrumento de destruição do mundo.

O consumismo desenfreado está levando a humanidade a dilapidar os recursos naturais. Carvão, petróleo, gás, turfa, madeira, água – nada basta para satisfazer a necessidade crescente de geração de energia. No caso do Brasil, a abundância de grandes rios levou a opção por hidrelétricas, como se vê agora com o projeto de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu.

Há mais de três décadas, a Bacia do Xingu, no Pará, desperta interesse econômico, com um potencial hidrelétrico calculado em 22 mil megawatts. A previsão inicial é que seriam construídas seis usinas na bacia, mas, diante dos protestos de ambientalistas e comunidades indígenas, a meta foi revista e decidiu-se pela construção apenas da Usina de Belo Monte. Mas isso não resolve o problema, pois os danos ambientais continuarão sendo imensos.

Na Bacia do Xingu vivem 28 etnias indígenas e estima-se que a obra provocará o deslocamento de pelo menos 20 mil pessoas, população superior à de mais de 70% dos municípios brasileiros. Cidades como Altamira terão uma explosão demográfica, criando graves problemas urbanos no coração da Amazônia.

Além desse drama humano, há o dano ambiental, pois serão retirados 210 milhões de metros cúbicos de terra, quase o mesmo volume removido na construção do Canal do Panamá. A construção da usina deve devastar 2,38 milhões de metros quadrados de área verde. E na região há 440 espécies de aves, 259 de mamíferos e 387 de peixes, que poderão sofrer uma drástica redução.

A despeito dessa verdadeira tragédia, Belo Monte ficará aquém do esperado. Sua capacidade foi estimada em 11 mil megawatts, mas a energia firme que será capaz de gerar ao longo do ano deve cair para bem menos da metade, em torno de 4 mil megawatts. E será uma energia para exportação, que não trará benefícios para às populações da Volta Grande do Xingu, uma vez que a mão-de-obra a ser empregada na construção da usina é temporária, mas os problemas socioambientais que ela vai gerar serão permanentes.

E o custo da usina tende a superar os já faraônicos R$ 19 bilhões previstos pelo governo. O setor privado estima que a usina não irá sair por menos de R$ 30 bilhões, tanto que o governo teve de mobilizar os fundos de pensão para garantir o leilão de Belo Monte, pois duas das maiores empreiteiras do país, Odebrecht e Camargo Corrêa, desistiram de disputar a obra. Com isso, o BNDES terá de financiar 80% dela.

Belo Monte simboliza uma obsessão histórica dos governos brasileiros – a ânsia de transformar mananciais em hidrelétricas, como se todo grande rio não fosse um ecossistema vivo, mas uma fonte de lucro. Por isso, mais de 34 mil quilômetros quadrados no país já foram inundados para construção de usinas e cerca de 1 milhão de pessoas tiveram de se deslocar de seu local de moradia, feito refugiados de guerra.

Em vez de apostar em obras faraônicas, o país devia investir em pequenas usinas de até 30 megawatts, com menor impacto socioambiental. Também merecem atenção as formas alternativas de energia, como a eólica, com potencial estimado de 28.900 megawatts, e a solar, com potencial praticamente infinito. Sem contar a biomassa, cuja tecnologia o Brasil domina há década. Estima-se que apenas 10% da área degradada da Amazônia reflorestada com dendê faria do Brasil o maior produtor de biodiesel do mundo.

Mas bastaria investir no precário sistema de transição para que as perdas de energia, estimadas em 15%, resultassem na geração de 33 milhões de megawatts/hora, o que dispensaria, com folga, a construção de Belo Monte – uma obra socialmente equivocada, ambientalmente daninha e economicamente duvidosa.

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